domingo, 26 de maio de 2013

Saldo de 146 mortes separa área mais segura da mais violenta de SP

Quase 30 quilômetros de distância e uma diferença de 146 homicídios registrados desde 2011 separam o bairro que acumula os maiores índices de assassinatos do menos violento na capital paulista, de acordo com levantamento do G1 a partir de dados disponíveis no site da Secretaria da Segurança Pública do Estado de SP (SSP).
Favela no Parque Santo Antônio, na Zona Sul de São Paulo (Foto: Márcio Pinho/G1)
Desde 2011, período no qual o governo de São Paulo passou a divulgar mensalmente as estatísticas de criminalidade por delegacia, o Parque Santo Antônio, na Zona Sul, é a região com o distrito policial que tem o maior volume de boletins de ocorrências sobre homicídios na capital paulista.
18º DP, na Rua Juventus (Foto: Márcio Pinho/G1)Em contrapartida, o Alto da Mooca, na Zona Leste, tem os índices mais baixos. O 92º Distrito Policial, delegacia do Parque Santo Antônio, registrou 148 vítimas de homicídios desde 2011, enquanto o 18º DP, no Alto da Mooca, teve apenas duas mortes. No intervalo de mais de dois anos, a diferença entre as regiões vai além do saldo de 146 mortes.
G1 esteve no Parque Santo Antônio e na Mooca. No 18º DP, na Rua Juventus, uma estátua com uma fonte de água retrata o clima de tranquilidade da região. O bairro de classe média possui prédios, casas e comércios em muitas das ruas. A região é apontada por policiais como ‘tradicional’ e também com população participativa nos temas de segurança.
Em 1998, a falta de segurança fez vítima a então delegada titular do 92º DP. Um de seus sucessores na delegacia, André Antiqueira, afirma que as mortes no bairro estão ligadas principalmente ao tráfico de drogas, e, em alguns casos, a brigas em bares.
Já quem chega ao Parque Santo Antônio começa a entender a falta de segurança. A região tem favelas originadas em urbanização precária dos anos 70. Investigadores falaram ao G1 sem se identificar que nesses locais traficantes atuam mesmo durante o dia, muitas vezes sem serem incomodados. É a força do poder paralelo, dizem.
Medo e paz
Segundo Antiqueira, o número de vítimas agora é menor do que no começo dos anos 2000, quando era comum morrerem 20 pessoas por mês. Neste ano foram 14 no primeiro trimestre, segundo a SSP.
A diferença entre as realidades dos dois bairros permite aos moradores da Mooca falar sem receio sobre segurança, o que não acontece no Parque Santo Antônio. O engenheiro Wilson Furukawa, de 53 anos, morador da Rua do Oratório, afirma estar seguro durante suas caminhadas no bairro, inclusive à noite.
“Aqui o morador não precisa ficar neurótico. O bairro ainda proporciona uma certa tranquilidade”, diz. Apesar de poder caminhar pelo bairro, Furukawa confessa que seus passeios favoritos são com o Fusca azul de 1966 e o cachorro Jack.
O morador Wilson Furukawa com o cachorro Jack (Foto: Márcio Pinho/G1)O morador Wilson Furukawa com o cachorro Jack
(Foto: Márcio Pinho/G1)
No Parque Santo Antônio, vários moradores e comerciantes afirmam também gostar do bairro, apesar da falta de infraestrutura e da presença de um córrego no qual corre esgoto. Alguns dizem que a violência não atinge o morador comum e que é restrita a quem “procura problemas”. Outros, no entanto, demonstram estar apreensivos com a presença de traficantes armados.

A dona de casa L.S., de 50 anos, está há 30 no bairro e afirma que já viu conhecidos morrerem. “Aqui não tem segurança. É só Deus mesmo”, diz ela. Segundo L, seu filho cresceu e virou trabalhador, mas outros seguiram outro caminho e acabaram morrendo. “A verdade é que ninguém vai obrigado, ameaçado. Entra no tráfico e no crime quem quer ganhar dinheiro fácil”.
Apesar da apreensão, a mulher, que não quis se identificar por temer pela sua própria segurança, diz que a criminalidade já foi pior. “Já ouvi tiroteio e vi corpo caído”, diz. Os moradores contam que o campo de futebol no centro do bairro era local de desova de corpos.
Moradora afirma, no Parque Santo Antônio, "só Deus" pode proporcionar segurança (Foto: Márcio Pinho/G1)Moradora afirma, no Parque Santo Antônio,
"só Deus" pode proporcionar segurança
(Foto: Márcio Pinho/G1)
Nesse ambiente se destaca o trabalho da ONG Casa do Zezinho. Ela atende 1.350 alunos entre crianças e adolescentes e funciona como uma escola. As crianças ficam meio período no local, têm aulas e realizam atividades artísticas e esportivas. Já os adolescentes participam de oficinas onde aprendem ofícios, como a criação de aplicativos para celular.
A pedagoga Dagmar Garroux, a Tia Dag, de 59 anos, conta que ela e um grupo de colegas de faculdade resolveu abrir a casa em 1994 em um imóvel de 100 metros quadrados – hoje tem 3.200 crianças. Na época eram 12 crianças. "Eu e mais quatro amigos vínhamos um dia na semana. Era 100% voluntário", diz. Hoje são mais de 20 patrocinadores.
Dag afirma que a motivação veio da falta de infraestrutura e da violência no bairro. "Eu tinha a vontade de trabalhar com educação. Só por meio da educação a gente consegue mudar o mundo", diz. Parte das atividades da Casa do Zezinho acontece nos finais de semana, justamente quando os índices de criminalidade são maiores no bairro.  "Se as crianças e jovens estão aqui, não estão usando droga", afirma.
Diferenças
Uma das diferenças fundamentais entre o Parque Santo Antônio e a Mooca e que ajuda a explicar a disparidade nos números da segurança é também o número de habitantes. Enquanto o 92º DP atende uma população de 350 mil pessoas, mais que uma cidade como Guarujá, no litoral do Estado, o Alto da Mooca tem população bem menor. Em 2009, a SSP divulgou nota em seu site dando conta de que o bairro tinha 55 mil residentes.
Crianças da ONG Casa do Zezinho (Foto: Márcio Pinho/G1)Crianças da ONG Casa do Zezinho
(Foto: Márcio Pinho/G1)
O secretário da Segurança Pública de São Paulo, Fernando Grella Vieira, afirmou aoG1 em abril que uma série de fatores ajuda a explicar a diferença entre os dois bairros, entre elas as condições de cada local, e que a disparidade não está ligada apenas ao trabalho policial. Ele cita o Jardim Ângela como exemplo, outra área com alta incidência populacional e recordista de violência nos anos 90. “Ali foi desenvolvido [pelo Ministério Público] um trabalho comunitário chamado Promotoria Comunitária, que depois continuou com os líderes comunitários e vários projetos foram colocados em prática com a participação de líderes comunitários, igreja, polícia e representantes dos órgãos públicos.”

Ele aponta uma das iniciativas que se chamou Operação Bares. O trabalho foi de conscientização dos donos de bares para que fechassem às 22h, já que as mortes normalmente aconteciam no entorno dos bares. “Isso aí deu uma redução significativa no índice de homicídios”, afirma.

O delegado Joaquim Dias Alves, responsável pela 5ª Delegacia Seccional, argumenta que a Mooca é um bairro “tradicional, formado por muitos imigrantes e menos atrativo que outras regiões para a prática de crimes contra o patrimônio”. Fala ainda que os bairros atendidos pela seccional, que incluem outros da Zona Leste como Vila Matilde e Tatuapé permitem um “trabalho homogêneo” da polícia.
PM
Para o comandante da Polícia Militar, coronel Benedito Roberto Meia, o município não dá a devida atenção ao Parque Santo Antônio. “O poder público municipal não contempla e não privilegia essas áreas, como prioridade para a iluminação pública, as ruas são esburacadas, saneamento básico, às vezes, por vezes, é precário”, disse.
Ele acrescenta que a ausência de opções de lazer também auxilia a piorar o quadro grave de violência. “O que resta para as pessoas lá? Tão e somente bar. Bar e boteco, com jogatina, com jogos de azar, que são carteados, sinuca, essas coisas todas. E isso induz as pessoas a beberem, se desentenderem, a gerar conflito e acontecer os homicídios.” Para combater o crime, o coronel afirma que a Força Tática dá atenção aos patrulhamentos na região, com atenção especial ao tráfico.
Em nota, a Subprefeitura do M’Boi Mirim, responsável pelo Parque Santo Antônio, informa que pretende iniciar diversas ações em conjunto com outros órgãos públicos. O órgão afirma que planeja “a criação de novas unidades educacionais, novos pontos de iluminação pública, novas unidades habitacionais, aumento do efetivo da Guarda Civil Metropolitana (GCM), a criação de um pólo da Universidade Aberta do Brasil, um equipamento esportivo aberto 24h, durante os fins de semana, ampliação da rede de locais de cultura, reforma de equipamentos esportivos, além da reformulação da Operação Delegada para o patrulhamento noturno em áreas com altos índices de violência e inclusão de mais famílias carentes nos programas de renda”, entre outras coisas.
Já o subprefeito da Mooca, o engenheiro Francisco Carlos Ricardo, vive situação mais “cômoda” em termos de segurança. Ainda assim, afirma que a Subprefeitura tem trabalhado com proximidade com a Polícia Civil e Militar para garantir a segurança do bairro. Ele opina que a baixa taxa de homicídios na Mooca está ligada ao fato de as pessoas serem arraigadas ao bairro, como se fosse uma cidade do interior, em que as pessoas se preocupam com o local. Cita por exemplo a participação dos moradores em reuniões do Conseg e ainda o zelo que eles têm em relação ao vizinho. “Quando um vizinho vai viajar, é comum o que fica ajudar a vigiar”, finaliza.
Latrocínio
Em 2012 foi registrado um caso de latrocínio (roubo seguido de morte) na região do 18º DP. Na área do 92º DP, no mesmo período, ocorreram dois casos de assaltos seguidos de assassinatos.
Apesar de envolver morte, o latrocínio é registrado pelo governo de São Paulo separadamente do homicídio. Isso ocorre por causa da materialidade do crime. O roubo seguido de morte é o assalto que não deu certo e acabou com a morte da vítima. O objetivo inicial do criminoso era o bem, não tirar a vida. Homicídio doloso, ao contrário, a morte era a meta do assassino.
G1

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